Depois de trinta e nove minutos na sala de espera lendo uma
revista que há dois anos fora lançada, seu nome foi chamado - “Ricardo Mendes.”
Levantou-se calmamente e dirigiu-se à pequena sala. Quando
passou pela recepcionista, acenou levemente com a cabeça. Era linda. Linda
demais.
Tinha toda a mentira arquitetada. “Que estupidez”, pensou
Ricardo consigo mesmo, “acabo de pagar noventa reais para poder contar
mentiras.”
Meteu-se porta adentro, e dois passos depois, parou para
encarar a dona dos olhos que o analisariam. Excessivamente bonita.
“Isto não é certo, caro leitor. O julgamento não é justo
tendo à minha frente um ser tão superior.”
Não abriu a boca. Olhou para a poltrona vazia à sua frente. Sua
juíza concordou com os olhos e ainda abriu um meio-sorriso. Ricardo sentou-se,
abaixou a cabeça, pousou a mão na testa e apertou os olhos em sinal de
desespero. Sua representação durou cinco segundos. Quando levantou a cabeça, a
mulher que era loira há alguns segundos agora estava morena. Seus olhos, antes
castanhos, eram de um verde estonteante.
Apertou os olhos uma vez mais, balançou a cabeça e com as
mãos tremendo, arriscou um novo olhar. Não era possível. Enlouquecera.
Sentiu-se impelido a beijar-lhe as bochechas. Cerrou os olhos e forçou a mandíbula.
Sentiu o peito comprimido. Tentou falar mas não conseguiu abrir a boca. Sentiu
o amargo do sangue misturando-se à saliva. Limpou a testa com as costas das
mãos.
Uma forte brisa invadiu a sala e Ricardo sentiu-se incomodado.
Procurou uma janela aberta e não achou. De onde viera a brisa? Engoliu um pouco
do sangue e tentou reclamar com a doutora que já então não era loira e tampouco
morena. Era agora uma Dona ruiva com lindas sardas. Palavras não saíram.
Pensou em levantar-se mas desistiu para poupar o fôlego. Seu
cérebro sentia a falta do oxigênio.
Desmaio iminente. Piscou para a doutora. Dois segundos antes
do desmaio, ouviu seu nome:
“Ricardo Mendes.”
Virou-se repentinamente e mirou a secretária, que ao
perceber que ninguém respondera, chamou uma vez mais: “Ricardo Mendes”. Ricardo
levantou-se. Não conseguiu conter um sorriso. Encontrava-se na sala de espera.
Largou a velha revista em cima da pequena mesa e dirigiu-se à porta aberta.
Tinha toda a mentira já arquitetada.