Transcrever emoções, sentimentos, passado, futuro ou desejos, é viver - ou reviver - tudo o que há de melhor.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Memorável solidão?


Depois de trinta e nove minutos na sala de espera lendo uma revista que há dois anos fora lançada, seu nome foi chamado - “Ricardo Mendes.”
Levantou-se calmamente e dirigiu-se à pequena sala. Quando passou pela recepcionista, acenou levemente com a cabeça. Era linda. Linda demais.
Tinha toda a mentira arquitetada. “Que estupidez”, pensou Ricardo consigo mesmo, “acabo de pagar noventa reais para poder contar mentiras.”
Meteu-se porta adentro, e dois passos depois, parou para encarar a dona dos olhos que o analisariam. Excessivamente bonita.
“Isto não é certo, caro leitor. O julgamento não é justo tendo à minha frente um ser tão superior.”
Não abriu a boca. Olhou para a poltrona vazia à sua frente. Sua juíza concordou com os olhos e ainda abriu um meio-sorriso. Ricardo sentou-se, abaixou a cabeça, pousou a mão na testa e apertou os olhos em sinal de desespero. Sua representação durou cinco segundos. Quando levantou a cabeça, a mulher que era loira há alguns segundos agora estava morena. Seus olhos, antes castanhos, eram de um verde estonteante.
Apertou os olhos uma vez mais, balançou a cabeça e com as mãos tremendo, arriscou um novo olhar. Não era possível. Enlouquecera. Sentiu-se impelido a beijar-lhe as bochechas. Cerrou os olhos e forçou a mandíbula. Sentiu o peito comprimido. Tentou falar mas não conseguiu abrir a boca. Sentiu o amargo do sangue misturando-se à saliva. Limpou a testa com as costas das mãos.
Uma forte brisa invadiu a sala e Ricardo sentiu-se incomodado. Procurou uma janela aberta e não achou. De onde viera a brisa? Engoliu um pouco do sangue e tentou reclamar com a doutora que já então não era loira e tampouco morena. Era agora uma Dona ruiva com lindas sardas. Palavras não saíram.
Pensou em levantar-se mas desistiu para poupar o fôlego. Seu cérebro sentia a falta do oxigênio.
Desmaio iminente. Piscou para a doutora. Dois segundos antes do desmaio, ouviu seu nome:
“Ricardo Mendes.”
Virou-se repentinamente e mirou a secretária, que ao perceber que ninguém respondera, chamou uma vez mais: “Ricardo Mendes”. Ricardo levantou-se. Não conseguiu conter um sorriso. Encontrava-se na sala de espera. Largou a velha revista em cima da pequena mesa e dirigiu-se à porta aberta. Tinha toda a mentira já arquitetada.

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