Nesta manhã, acordei com a cabeça pesada. Sonhei contigo, sabias? Logo que abri os olhos, desejei voltar ao sono, pois sonhei contigo. Sonhei contigo e acordei sofrendo com forte vertigem. Estavas linda esta noite quando contigo sonhei. Entenda que não foi sem propósito que me vali da repetição. Quatro vezes – em um único parágrafo – disse que sonhei contigo porque tive – em uma única noite – quatro sonhos que te envolviam. Entendes isto?
Vi-te desde muito longe dentro de uma locadora. Imediatamente, e a passos largos, cruzei a rua e adentrei o estabelecimento a fim de observar-te com maior facilidade. Observei-te por um curto espaço de tempo. Vestias um lindo par de botas de cano baixo – destas que não se pode descrever com perfeição –, calças muito justas, de um tom azul, que nasciam dentro de suas botas e eram cobertas, já na altura de seus quadris, por uma camisa cinza. Trajavas, também, uma jaqueta preta, que acabava ainda no começo de tua cintura, permitindo, assim, que parte de tua camisa fosse vista. Teu cabelo estava amarrado em um rabo de cavalo pouco mais alto do que costumam as garotas usar, deixando, assim, teu pescoço à mostra. Seguravas com afinco um filme, o qual pude identificar depois de certo esforço: “Abre los ojos”. Ouvias música. Em tua cabeça um arco unia os dois fones de ouvido. Estavas linda. Observei-te por algum tempo, e quando finalmente me avistastes, o sonho acabou. Coisa estranha, não é? Não me lembro de outras vezes saber quando é que um sonho chegara ao fim.
Lembro-me, então, que estavas sentada a uma mesa daquelas de três pernas que nos dão a impressão de que, se pressionadas em certo local, cairão. Seguravas uma caneca com ambas as mãos, e a intervalos irregulares, bebericavas o que me pareceu ser chá. Só então percebi que nada maculava teu rosto. Fiquei encantado com tão pura beleza. Tive ganas de dizer-te o quão linda és. Estavas cabisbaixa e teu lábio inferior lançava-se à frente. Precipitei-me com a intenção de dizer-te que tua beleza me encantava, mas quando me aproximei, tu levantastes a cabeça e eu não pude agarrar-me ao sonho.
Avistei-te sentada em um banco na extremidade oposta à que eu estava, em um vagão de metrô. Carregavas um livro aberto entre as mãos, mas não pude identificar o título. Teus cabelos soltos invadiam-te a face, e estavas, uma vez mais, linda. Sentavas com os joelhos apoiados um contra o outro e com os pés num ângulo que muito me atrai: os calcanhares estavam separados – por quase um palmo de distância – e as pontas dos pés estavam encostadas. Vestias um par de tênis vermelhos. Se soubesses o quão linda estavas...! Jurei a mim mesmo, depois de dois segundos de reflexão, que talharia tua imagem em mármore. Naquela mesma posição que estavas. Senti o sangue subir-me à face. Estava determinado a ter contigo. Atravessei todo o vagão valendo-me de passos vacilantes. Aproximei-me de ti, mas a luz apagou-se, e quando voltou a acender, já não mais te via. Em verdade nada via. Desesperei-me por dez segundos, mas considerei, e, se não houvesse tua beleza para contemplar, mais me valia a cegueira.
Encontrei-te por diversas vezes ao longo da mesma noite, mas apesar de todos os meus esforços, não obtive sucesso em conseguir contemplar-te com um elogio. Como poderia, então, convencer-te de que... Arregalei os olhos. Dançavas alegremente à minha frente. Cinco metros nos separavam. Olhavas-me e eu não sumia. Nem tu sumias. Tinha a minha chance, afinal. Não consegui levantar a perna esquerda para dar o primeiro passo. Estavas linda. Lindíssima! Meus olhos encheram-se de lágrimas. Encantas-me! Lindíssima! Minha perna pesava 85 quilos. Não conseguia mover-me. Tu andavas, então. Foste sentar-te. Olhava-me com admiração. Cruzaste as pernas e puseste-te a admirar meu vão esforço para ter contigo. Desisti de tentar mover-me. Felizmente podia ainda admirá-la. Meu cérebro traiu-me, minha querida. Ao pensar nisto, também minhas pálpebras começaram a pesar, e, curiosamente, ao fechar os olhos, acordei.
Continuas linda, mas não pude ter contigo. Agora estou acordado e falo por meio de metáforas. Mas há neste mundo coisa com a qual não nos acostumemos? Estou bem acordado e nada, nem tua beleza, faz-me dormir. Nada, querida. Nada, nada, nada, nada.