Transcrever emoções, sentimentos, passado, futuro ou desejos, é viver - ou reviver - tudo o que há de melhor.

sábado, 27 de outubro de 2012

Por Tanto


Sinto-me diminuído. Que será isso? É justo sentir-me diminuído?  Não tenho o direto de tratar-me desta maneira, entretanto o faço. Digo, de frente para o espelho: “Não és digno daquelas ondas. Não és digno de ti mesmo.” E vós, caríssimos, não sois obrigados a ouvir esta ladainha. Sinto-me fatigado. Ouso dizer que fui tomado por forte febre. Pessoa alguma age assim senão em estado febril. Lembro-me de como quis abraçá-la quando percebi que estava em seu limite. Estou mesmo em estado febril, excelentíssimos. Lembro-me de como quis engolir seu desespero. Como achei-a atraente por não ter ideia das reais dimensões de sua figura. Posso mesmo dizer que eu sabia, somente ao olhá-la, que tinha pena de si mesma, mas que não deixava que isso viesse à sua boca. Que lindo orgulho tem! Mas por que digo isso, excelentes senhores?
Arrisco-me a dizer que tenho a temperatura muitíssimo elevada. Que fadiga! Preciso sentar-me. Não tenho mais forças para exclamar, no entanto... Senhora! Minha senhora! Que faz de sua vida?
Ouça, não é com orgulho que digo o que segue, porém... Não suporto ver-lhe as fotografias. Sou injusto comigo. Sinto-me diminuto. E poderia eu atribuir-lhe a culpa? Três negações para tal pergunta. Oras! Como posso poupar forças para exclamar quando ouso dizer tamanha infâmia? Ando com a cabeça em voltas. Não dê ouvidos a meu prejuízo, senhora.  Tampouco os senhores devem irritados quedar.  Sei bem que não é saudável desculpar-me tanto, entretanto...  Como sou pequeno! Sou pequenino, amiga! Perdoe-me a repentina aproximação. Arrependo-me de não tê-la tratado por senhora no presente parágrafo.
Com que autoridade posso eu jogar-me ao chão? Crê que não sei onde devo ficar? Mas não pode pensar que... Não! Vou evitar o uso de algumas conjunções. Todavia... como traio-me! Estando eu em tal estado, uso minhas últimas forças para exclamar! E as conjunções...
Talvez tenha sido duro em demasia. Sou uma mosca. Não sou homem, sou mosca. Valho tanto quanto a velha Lizavéta. Aliás, estou aqui na posição de velha usurária e de sua irmã. Sou ambos: Opressor e oprimido. E, no entanto, tenho eu autoridade para tratar-me assim? Oh! Esta febre precisa deixar-me em paz. Basta!
Oh! Que vertigem! Preciso recostar-me. Não sou digno desta febre. Serei eu digno de algo? Entendo a comparação a uma barata. Que genial! Porém... Serão os senhores mais dignos que eu? Que genial... Sofre menos aquele que não perceber que deve comparar-se a uma barata. E quem ousar comparar-se a ela... Mas sou um piolho! Oh! E quem foi mesmo quem disse que os grandes homens devem padecer com grande dor? Terá sido Raskólnikov em seu artigo? Não posso recordar-me em tal estado. Mas será que me considero grande homem? Ainda a pouco disse ser uma mosca. Um piolho! Minha cabeça anda às voltas. São suas fotos. Estou tão confuso...! Não há aqui uma gota de merecimento. Oh! Por que tinha eu de ser acometido de tão aguda febre? Entretanto... Não! Mas será que nem ao menos...? Acredito que não. Ainda assim... Basta! Não! Ainda tenho os sentidos muito fracos. Contudo, é preciso acreditar-me, caríssimo, boníssimo senhor: Não é mais digno que ela. Não vale um de seus dentes sequer. Que faz alguém dignar-se, enfim? Basta! Minha febre aumenta. Deixe-me. No entanto...

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Quatro


Nesta manhã, acordei com a cabeça pesada. Sonhei contigo, sabias? Logo que abri os olhos, desejei voltar ao sono, pois sonhei contigo. Sonhei contigo e acordei sofrendo com forte vertigem. Estavas linda esta noite quando contigo sonhei. Entenda que não foi sem propósito que me vali da repetição. Quatro vezes – em um único parágrafo – disse que sonhei contigo porque tive – em uma única noite – quatro sonhos que te envolviam. Entendes isto?
Vi-te desde muito longe dentro de uma locadora. Imediatamente, e a passos largos, cruzei a rua e adentrei o estabelecimento a fim de observar-te com maior facilidade. Observei-te por um curto espaço de tempo. Vestias um lindo par de botas de cano baixo – destas que não se pode descrever com perfeição –, calças muito justas, de um tom azul, que nasciam dentro de suas botas e eram cobertas, já na altura de seus quadris, por uma camisa cinza. Trajavas, também, uma jaqueta preta, que acabava ainda no começo de tua cintura, permitindo, assim, que parte de tua camisa fosse vista. Teu cabelo estava amarrado em um rabo de cavalo pouco mais alto do que costumam as garotas usar, deixando, assim, teu pescoço à mostra. Seguravas com afinco um filme, o qual pude identificar depois de certo esforço: “Abre los ojos”. Ouvias música. Em tua cabeça um arco unia os dois fones de ouvido. Estavas linda. Observei-te por algum tempo, e quando finalmente me avistastes, o sonho acabou. Coisa estranha, não é? Não me lembro de outras vezes saber quando é que um sonho chegara ao fim.
Lembro-me, então, que estavas sentada a uma mesa daquelas de três pernas que nos dão a impressão de que, se pressionadas em certo local, cairão. Seguravas uma caneca com ambas as mãos, e a intervalos irregulares, bebericavas o que me pareceu ser chá. Só então percebi que nada maculava teu rosto. Fiquei encantado com tão pura beleza. Tive ganas de dizer-te o quão linda és. Estavas cabisbaixa e teu lábio inferior lançava-se à frente. Precipitei-me com a intenção de dizer-te que tua beleza me encantava, mas quando me aproximei, tu levantastes a cabeça e eu não pude agarrar-me ao sonho.
Avistei-te sentada em um banco na extremidade oposta à que eu estava, em um vagão de metrô. Carregavas um livro aberto entre as mãos, mas não pude identificar o título. Teus cabelos soltos invadiam-te a face, e estavas, uma vez mais, linda. Sentavas com os joelhos apoiados um contra o outro e com os pés num ângulo que muito me atrai: os calcanhares estavam separados – por quase um palmo de distância – e as pontas dos pés estavam encostadas. Vestias um par de tênis vermelhos. Se soubesses o quão linda estavas...! Jurei a mim mesmo, depois de dois segundos de reflexão, que talharia tua imagem em mármore. Naquela mesma posição que estavas. Senti o sangue subir-me à face. Estava determinado a ter contigo. Atravessei todo o vagão valendo-me de passos vacilantes. Aproximei-me de ti, mas a luz apagou-se, e quando voltou a acender, já não mais te via. Em verdade nada via. Desesperei-me por dez segundos, mas considerei, e, se não houvesse tua beleza para contemplar, mais me valia a cegueira.
Encontrei-te por diversas vezes ao longo da mesma noite, mas apesar de todos os meus esforços, não obtive sucesso em conseguir contemplar-te com um elogio. Como poderia, então, convencer-te de que... Arregalei os olhos. Dançavas alegremente à minha frente. Cinco metros nos separavam. Olhavas-me e eu não sumia. Nem tu sumias. Tinha a minha chance, afinal. Não consegui levantar a perna esquerda para dar o primeiro passo. Estavas linda. Lindíssima! Meus olhos encheram-se de lágrimas. Encantas-me! Lindíssima! Minha perna pesava 85 quilos. Não conseguia mover-me. Tu andavas, então. Foste sentar-te. Olhava-me com admiração. Cruzaste as pernas e puseste-te a admirar meu vão esforço para ter contigo. Desisti de tentar mover-me. Felizmente podia ainda admirá-la. Meu cérebro traiu-me, minha querida. Ao pensar nisto, também minhas pálpebras começaram a pesar, e, curiosamente, ao fechar os olhos, acordei.
Continuas linda, mas não pude ter contigo. Agora estou acordado e falo por meio de metáforas. Mas há neste mundo coisa com a qual não nos acostumemos? Estou bem acordado e nada, nem tua beleza, faz-me dormir. Nada, querida. Nada, nada, nada, nada.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Acúmulo


Querida, podes ler meu texto para não ter de ler minha mente. Não imaginas quão sombrio pode ser este lugar. Faz muito frio. Faz muito frio, e sou fraco demais.
Senti vontade de chorar, amigos. Sou fraco demais. Minha garganta comprimiu-se, e se tivesse de falar alguma coisa, a voz não sairia de outra maneira que não embargada. Sou fraco demais. Como pude me deixar tão vulnerável? Sou fraco demais. Não consigo agir naturalmente pois sou fraco em demasia, amigos. Digam-me o contrário, amigos. Por favor, digam-me o contrário. Não. Sei que sou fraco demais.
Afundei-te em álcool. Meu estômago continua ruim. Não sabes o esforço que tenho feito, mas meu estômago continua ruim. E faz frio. Sou fraco demais. Meu estômago continua ruim. Propus-me algo novo, sadio, confortável, mas... como faz frio!
Tenho sofrido com espasmos. Que será isso? Exagero no café? Exagero na solidão? Exagero nos pensamentos? Exagero na repetição? Amigos, faz muito frio, meu estômago continua ruim, sou fraco demais, e tenho sofrido com espasmos musculares.
Ouvi vinte e duas canções, li noventa páginas de um livro, bebi do café, senti náuseas, recordei-me da vontade de chorar e perdi a fome. Agasalhei-me. O frio continuou. Oh, querida! Bebi mais uma caneca de café. Péssimo para meu estômago, péssimo para meus espasmos, péssimo para minha vontade de você. Lembras-me café, sabias disto?
Tive vontade de chorar, passei frio, afoguei-te em álcool, esperei ansiosamente, senti-me fraco, vesti aquele par de calças velhas, e pus-me a recordar. Meu estômago continua ruim. Li dois poemas, escrevi duzentas e sessenta e oito palavras, engoli mais café, e continuei a passar frio.
Sê forte, querida. Sê forte por mim.
Fiz promessas que não poderia cumprir. Sou fraco, sofro do estômago, de solidão, de espasmos musculares, de frio e da tua falta.

domingo, 7 de outubro de 2012

Mendes às 22:55


Não recrimine, caríssimo senhor, as atitudes dos mais jovens. Não há problema algum em sofrer por amor, e ainda menos em preocupar-se com o final de semana. Oras! Não seria ótimo se não precisássemos nos preocupar com nada mais sério? Por que reprimir algo tão natural?
Acalme-se. Bem sei eu, que é preciso sofrimento para o esmero. Mas por vezes me pergunto para quê é que precisamos do esmero, - e certa vez cheguei próximo de conseguir a resposta, mas acabei por deixá-la escapar.
Coloque atenção em minhas palavras. Não digo que seja preciso apreciar todos os tipos de personalidade. Só é preciso respeitá-las.
O que quero dizer, excelência, é que não o compete policiar as preocupações de outro que não si mesmo. O “importante” é subjetivo. O ser humano é complexo em demasia, não é uniforme, por que, então, deveriam as prioridades o serem? É isso o que quero dizer-lhe. A diferença é inerente ao ser humano. É isso o que quero dizer-lhe, senhor.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

BC - e a dor estomacal


Bernardo caminhava com as mãos no fundo dos bolsos e com a cabeça ligeiramente inclinada para a direita. – Indício de que estava pensando. Estacou, arregalou os olhos, sentiu o estômago queimar e liberou um meio-sorriso. Era arriscado. Extremamente arriscado.
Ao final da tarde, o rapaz encontrou-se com Clarissa. Sentou-se à sua frente com seu costumeiro copo de café, sorriu, enfiou uma das mãos no bolso de seu casaco e sacou quatro tiras de pael. Era arriscado, mas ele preferia o risco à espera. Clarissa encarou-o com curiosidade.
“Há em cada uma destas tiras um futuro diferente,” explicou Bernardo, “e você vai decidi-lo na sorte.” Clarissa ainda não entendia exatamente o que estava acontecendo, mas teve medo. “A primeira tira carrega a palavra ‘jamais’ em sua face,” Clarissa estremeceu, “a segunda diz ‘não agora’ e a terceira tem a palavra ‘sim’ escrita. Vou te fazer uma pergunta, e a resposta será a que estiver no papel escolhido.”
Clarissa corou, olhou para o chão, sentiu o estômago aquecer-se e pela primeira vez naquela tarde, fez-se ouvir: “Mas eu vejo quatro tiras de papel, e você só me revelou o conteúdo de três delas.” O sorriso de Bernardo desmanchou-se. “Está em branco.”
Clarissa concordou com a cabeça, mas hesitou por falta de coragem. Puxou ar para dentro dos pulmões e quase desistiu. Mordeu os lábios e olhou para Bernardo. O rapaz estava desconsolado. Com uma voz muito tranqüila, Bernardo finalmente perguntou: “Dá-me um beijo?”
Em uma fração de segundo, Clarissa pensou que não arriscava o futuro, e sim o presente. Sem dar tempo ao cérebro, puxou para si um dos papéis e abriu-o ofegante.
Bernardo engoliu em seco. Clarissa nada dizia. Encarava o papel com obsessão tamanha que Bernardo não esperava nada positivo. Clarissa desviou os olhos do papel para encarar Bernardo, que, tentando descobrir a palavra escrita, baixou a cabeça para olhar o papel contra a luz.
Clarissa fechou a mão escondendo dentro dela o pedaço de papel. Bernardo assustou-se. Clarissa fez menção de entregar-lhe o papel e quando sentiu que sua mão estava suficientemente próxima aos outros três pedaços de papel, agiu rapidamente, misturando as tiras na palma de sua mão. Bernardo enrubesceu, e um segundo depois percebeu que Clarissa não havia obtido sucesso em recolher todas as tiras. Restava uma na mesa, a qual ele recolheu e abriu, lendo em voz alta a palavra “Sim”.
Clarissa estava mortificada. “Essa foi a coisa mais estúpida que alguém já fez!”