Tatiane, dona de 16 anos, estava
sentada numa mureta mirando as gaiolas vazias que foram outrora habitadas por
infelizes galinhas.
Tati, como era chamada por todos,
era vegana desde seus onze anos, e se encontrava agora em meio a um impasse: as
gaiolas vazias a deixavam feliz, mas a causa do vazio das gaiolas era o
falecimento de seu tio, que além das galinhas criara também porcos e bois para
o abate. O falecimento de Roberto, seu tio, a entristecia, e eis o impasse.
Deveria ela contentar-se com a
morte de alguém por este fato resultar no fim do sofrimento de outrem? E
principalmente quando este alguém fora um ente querido?
O calor a todos castigava. Os
rapazes não vestiam camisetas e as garotas usavam biquínis, com exceção de Tati,
que trajava um belo e leve vestido.
A lembrança da morte de seu tio a
angustiava, mas também a recordação das galinhas que mal conseguiam virar-se a
chateavam. Assim é a vida: a criação de um problema resolve três outros,
enquanto a solução de um problema é a causa de outros oito.
Ainda que a morte de seu tio
fosse ofuscada ou justificada pela liberdade de outros animais, deveria Tati
comemorar? Não estariam outros cinco criadores de animais nascendo neste exato
momento? E ainda que não, com tanta luta pelo dinheiro, não seria possível
dizer que as empresas aumentariam a produção, compensando a morte de qualquer
pobre diabo que criara animais para transformá-los em comida, para assim suprir
a demanda? Não há porque comemorar a morte de um opressor se para ele houver um
substituto.
Cada pessoa que comprava e comia
um bife era um opressor. Se não era o assassino, era o mandante do crime.
Julgue qual o pior. E há toda a sorte de desculpas: Alguns usam outros animais
como apoio, “mas o leão come carne!”. E ele também dorme em qualquer lugar –
não em uma cama confortável – e não se importa com o dinheiro. Não vejo muitas
pessoas seguindo seus passos neste sentido.
“Temos a capacidade de organizar
as ideias e pensar de forma lógica, diferente deles. Que estúpida comparação!”
Todos que estavam à sua volta a olharam, alguns viraram-se para encará-la e
outros, esses mais discretos, a olharam com os cantos de seus olhos. Tati
estava perdida em meio a seus pensamentos e nem havia percebido que falava em
voz alta. Ela sorriu e levantou os ombros como quem perguntava “Quê posso
fazer?”
De volta a seus devaneios, Tati
imaginou outra desculpa: “É a cadeia alimentar”. Mas o que diabos isso deveria
significar? Se o mais forte deve sobreviver, deveriam os homens mais franzinos
serem devorados por brutamontes?
Outros diziam que a carne era
demasiado gostosa. Ora, quando alguém mata um ser humano por prazer não pode
usar tal desculpa para não ir pra cadeia!
Há pessoas que se apóiam no
comodismo e dizem: “Mas é muito difícil repor as vitaminas!” o que é uma grande
mentira. Nada garante que uma pessoa que tenha a carne inclusa em sua dieta
seja mais saudável que um vegetariano. Além disso, ainda que fosse muito
trabalhoso repor as vitaminas... Bem, posso roubar um açougue ao invés de
trabalhar e conseguir o dinheiro pra comprar a carne? É um tanto mais fácil!
Então roubar alguém para melhorar e facilitar a minha alimentação não é certo,
mas não há problema algum em tirar uma vida com o mesmo propósito?
É a tradição. E nada mais.
ResponderExcluirAcho que não tem nada de enigmático naquele que come carne.
O meio em que é criado o faz pensar que não é errado comer carne. Outros desenvolvem sua convicção em sentido oposto.
Ambos não comem insetos pois não faz parte de sua cultura. Não é desculpa, mas sim algo que deve ser levado em conta. Não como uma resposta, porque não deveria haver pergunta.
Pode até parecer que ignorar os motivos é deixar-se escorregar pelos fios do coelho na cartola, como dizia Jostein Gaarder, mas acho que não há nada 'além'.
Gosto de como se expressa.
Gabriel E.
Eu entendo perfeitamente e concordo com o que pensa. É um fator cultural, assim como o fora a escravidão.
ResponderExcluirO meio determina o ser. Só não concordo quando diz que não deveria haver pergunta. Sempre tem de haver pergunta.
Essa citação de Gaarder me dá uma saudade do Mundo de Sofia...
Muitíssimo obrigado pelas palavras. Precisamos nos encontrar num dia desses pra conversar, não é?