Karen estava exausta. Arfava e caminhava com o tronco
arqueado. Deu mais cinco passos e apoiou as mãos nos joelhos para descansar.
Olhou para trás e avistou Plínio, um rapaz muito jovem de cabelos louros e pele
mui alva. Tão alva que, muito frequentemente, chegava à vermelhidão. Plínio
acenou e sorriu, e Karen respondeu com os mesmos gestos.
Ela preocupou-se: ele não parecia cansado. Dentro de pouco
mais de dois minutos ele a alcançaria. Tirou forças sabe-se lá de onde e voltou
a andar, agora um pouco mais rapidamente. O estômago queimava, suplicando por
um pedaço de pão ou uma fruta. A garganta estava seca e o frio castigava sua
pele.
Pensou ter ouvido um barulho à sua frente, então apurou os
ouvidos numa tentativa de capturar algum ruído além daquele produzido pelo
atrito de seus pés contra o asfalto. Sim, definitivamente ouvia alguma coisa.
Olhou para trás para perguntar a Plínio se ele também ouvia o barulho, mas não
havia ninguém atrás dela. Que decepção! Seu inimigo imaginário não a perseguia
justo agora que queria perguntar-lhe algo! Tentou chamá-lo pelo nome mas sua
voz não saiu. Havia já muito tempo desde a última vez que usara as cordas
vocais, e por isso a voz não aparecia.
Esticou o pescoço e subiu às pontas dos dedos para tentar
capturar com os olhos a origem dos ruídos, mas não obteve sucesso.
Caminhou em silêncio e foi percebendo o ruído ficar
gradualmente mais alto. Entrava deliciosamente em seus ouvidos e a deixava
feliz. Seus pés doíam, mas não podia parar de caminhar.
Depois de certo tempo, passou a se questionar se havia de
fato algum sonido sendo capturado por seus ouvidos, ou se era enganada por seu
cérebro. Caiu de joelhos. As pernas já não respondiam aos comandos enviados
pelo cérebro. Pensou em arrastar-se, mas descartou a ideia ao perceber o quão
arranhados já estavam seus joelhos.
Era hora de descansar, talvez de desistir. Deitou as costas
no asfalto, esticou as pernas e abriu os braços. Uma de suas mãos – a direita –
recostou em algo macio. Karen virou o pescoço muito vagarosamente para
encontrar um pequeno camundongo. O animal estava morto e tinha apenas três
pernas. Ela sentiu o estômago roncar sugerindo a ingestão do roedor que ela
agora segurava com as pontas dos dedos. Sua aversão àquele ser foi grande mas
passageira. Precisava alimentar-se. Quais seriam as conseqüências caso ela
comesse o ratinho? E se nada comesse? Será que a ingestão seria pior que a
falta de alimentação? Ela precisava comer algo. Talvez suas pernas até
voltassem a funcionar bem! Considerou tudo isso e decidiu comê-lo. Mas como
proceder?
Foi uma cena teatral: Karen tinha as unhas um bocado
grandes, e as usou para rasgar a carcaça do camundongo. Um líquido começou a
vazar e seu estômago ficou estranho. Ela não sabia dizer se era ânsia ou fome.
Apertou o animal com uma só mão, fazendo com que o líquido escapasse do pequeno
corpo e parasse em sua outra mão, e de lá fosse encaminhado à sua boca. Em
seguida, torceu a cabeça do bicho e a girou até que ela fosse separada do
pequeno corpo. Abriu o corpo e comeu o conteúdo deixando de lado a carcaça com
os pêlos. Seu estômago parecia ter despertado, e queria mais alimento. Ela
virou a pele do animal ao avesso e passou os dentes para conseguir arrancar a
maior quantidade possível de carne. Ainda estava com muita fome. Olhou com
repulsa para a cabeça do ratinho e guardou-a no bolso esquerdo. Tinha de
racionar a comida.
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